segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Críticas musicais

Carlos Eduardo Lima, o CEL: crítico musical ao pé-da-letra



Carlos Eduardo Lima, o CEL é um dos críticos musicais mais implacáveis de que já tomei conhecimento. Com ele não tem meio termo: ou o cd é muito bom ou não presta. Em tempos de "politicamente correto", pra mim isso soa como música pros meus ouvidos. Abaixo o rapaz se apresenta. E na seqüência, uma entrevista exclusiva com ele.



"Eu precisei chegar ao oitavo período de Direito para perceber que não queria ser advogado. Precisava escolher uma profissão que me permitisse falar e escrever, bem ou mal, como advogado eu faria isso, mas nunca parei para pensar se aquilo era o que queria fazer. Me formei em Jornalismo pela Uerj em 1997, quatro anos mais velho que a maioria dos meus colegas. Desde o quinto período eu escrevo profissionalmente sobre música rock/pop, principalmente na Rock Press. Comecei no segundo número e passei mais de dez anos por lá. No meio do caminho colaborei com alguns sites como o Scream & Yell e o Bacana. De vez em quando surgem textos meus em blogs e sites de bandas, como o dos Los Hermanos. Até hoje permaneço escrevendo sobre o mesmo tema. Em 2006 escrevi um romance, Vestido de Flor, que obteve sucesso de crítica mas esbarrou na má distribuição. Afinal, é um romance "quase independente". Os leitores do livro, entretanto, me brindaram com as mais queridas demonstrações de carinho e sinceridade. Recebi e-mails que guardo como tesouros. Então, esse sou eu."



Por que você se especializou em ser um crítico musical?

Eu me lembro de ouvir música com certa seriedade já aos sete anos de idade. Em 1985, aos quatorze anos, eu comprava o primeiro número da Revista Bizz. Eu deveria ter notado que minha admiração absoluta pelas reportagens musicais significava que minha vocação estava ali. Mas não notei. Para ser crítico não é preciso escola, não para a criação do que é mais importante no crítico: bom senso.

É preciso saber escrever, ler bastante para enriquecer o seu texto, mas o juízo de valor vem com muitas e muitas audições. Convém ler sobre o assunto, claro, desconfiar do que está escrito, querer ouvir e descobrir coisas por si. Uma boa dica é ouvir o que seus artistas e bandas gostam. Dali você vai chegando em sonoridades inesperadas e formando o gosto musical.



Diante do quadro musical atual, no Brasil e lá fora, o que você acha que tem sido os destaques nas enxurradas de novidades?

Isso é muito relativo. Eu prego que o novo é o que ainda não foi ouvido, independente da cronologia. A música pop é um formato que passa por um esgotamento criativo. Até um certo momento - lá pelos anos 80 - o pop ofereceu novidade, ainda que derivasse de outros estilos. Dos anos 90 para cá, o pop vem sofrendo diluições cada vez maiores, chegando a um ponto inimaginável em que você tem artistas como 50 Cent, Fergie, Simple Plan, Fresno, entre outros, fazendo a cabeça da garotada.

Bem, novidades...

Me surpreendi com o disco de estréia da Nicole Atkins, uma cantora americana que faz um pop/rock com toques de Roy Orbison e Springsteen, cujo som está sendo chamado de "noir pop". Neptune City é o nome do álbum dela. Também gostei do Seventh Tree, o último disco do duo inglês Goldfrapp e do último da Cinematic Orchestra, Ma Fleur.



O que você ouve em casa?

Ouço um monte de coisas. Preciso ouvir novidades para poder escrever sobre elas, mas, para meu prazer auricular, eu fico com Marvin Gaye, Van Morrison, />Beatles e Dylan. Mas isso muda. Tenho ouvido muito os discos setentistas do Santana (principalmente o Borboletta e o Caravanserai), os primeiros trabalhos (até 1972) do Moody Blues, o Seventh Son Of Seventh Son, do Iron Maiden e a edição de luxo do Strangers Almanac, disco de 1997 do Whisleytown, banda que o Ryan Adams integrava até 2000.



Nas suas críticas eu percebo que você é bem enfático em suas opiniões. O que te leva a esse rigor? Já teve que rever algumas delas?

Eu levo a música muito a sério. E acho realmente que a maneira como ela atua em nossas vidas está se transformando para pior. Se temos a facilidade do mp3 de um lado, temos um conseqüente déficit de informações vitais por causa da moleza proporcionada pelos arquivos digitais. Ser enfático nas opiniões é algo que acho importante para o crítico. Ele é (ou deveria ser) uma figura mítica, cuja palavra é decisiva para formar opiniões. Acho que o papel de crítico é muito importante e está banalizado de uns tempos pra cá. E, sim, já revi muitas críticas! O maior exemplo é o quarto disco do Beck, Odelay, de 1996. Eu ouvi umas duas vezes, achei um lixo e resenhei negativamente. Pouco tempo depois, percebi o clima do que o Beck sugeria e vi que havia errado. Acontece.



Quem são os críticos musicais que você admira? E quais os que não gosta?

Admiro algumas pessoas, sim, alguns nem mais escrevem sobre música. O André Forastieri fez verdadeiras obras de arte em forma de crítica enquanto escreveu na Bizz. O Paulo Cavalcanti (ex-Bizz e atual Rolling Stone) é um dos caras que tem maior conhecimento musical do país. Gosto dos textos isentos do Sérgio Martins (Veja), Abonico Smith (Tribuna do Paraná), Antônio Carlos Miguel (Globo) e do Marco Antonio Barbosa (Jornal do Brasil). Gostava do Fábio Massari na MTV. Admiro profundamente o conhecimento do Zeca Azevedo, da Rock Press. E dentre os que eu não gosto posso citar o Jamari França (Globo Online), Thiago Ney (Folha de São Paulo) e qualquer pessoa que escreve em um veículo de comunicação que não tem noção do que está fazendo. Acredite, tem muita gente.



Cite 10 personalidades musicais que determinaram a sua formação.

- Van Morrison

- Marvin Gaye

- Paul McCartney

- Brian Wilson

- Bob Dylan

- Neil Young

- Jorge Ben

- Erasmo Carlos

- Tim Maia

- Roberto Carlos



Cite 10 discos que você fez questão de jogar fora.

Essa é difícil. O "jogar fora" é eufemismo para decepcionar-se com o trabalho do seu artista favorito, parar de ouvir, deletar do computador ou vender no sebo.

- Amensiac, do Radiohead

- Final Cut, do Pink Floyd

- Trans, Neil Young

- Never Let Me Down, do David Bowie

- Undercover, dos Rolling Stones

- Volta, da Bjork

- Acústico MTV, do Lobão

- Hot Space, do Queen

- Supernatural, do Santana

- Ce, do Caetano Veloso



O que acha do jornalismo praticado hoje nas faculdades de comunicação?

Eu sou um nostálgico de 37 anos. O jornalismo de hoje, salvo poucas exceções, não é relevante. Existe apenas para cumprir um papel que não é mais dele, por questões comerciais. Um jornal/revista precisa de dinheiro para existir e acho que a grana sobrepôs-se ao idealismo. Logo, temos um jornalismo comprometido com interesses econômicos num nível muito maior do que eu gostaria. Claro, aliado a isso, temos, cada vez mais, profissionais que não sabem escrever, tanto em nível morfológico como em aspectos semânticos básicos. Erros de português pipocam todos os dias nos jornais. Antigamente, o jornal servia quase como um dicionário quando tínhamos duvidas sobre o modo correto de escrever. Pena.



O que você acha da imprensa musical brasileira?

É refém dessa realidade econômica e estação repetidora das imprensas americana e inglesa, quando o assunto é rock e pop. A capacidade de questionar, de fuçar, de descobrir aspectos novos ou interessantes da música está nos veículos independentes ou nos blogs. De uma maneira geral, editores, repórteres, redatores e todos os envolvidos no oficio de entender música estão presos ao aspecto mercantil da coisa. Enquanto for assim, nada de novo acontecerá e, pior, a estagnação será sempre maior. Falta uma Rádio Fluminense FM, um Jornal do Brasil dos anos 80, uma Folha de São Paulo dos anos 90.



Qual a banda de garagem que fez sucesso, que jamais poderia ter saído da garagem. E por quê?

O Oasis. Começou como uma banda de garagem - no sentido energético do som que fazia, não no rótulo "garage rock" - e foi acrescentando chantillys musicais aqui e ali até chegar no terceiro disco, Be Here Now (1997). Ali foi o limite. Depois foram se transformando em paródia de si mesmos. Eles ainda são uma grande banda de rock, estão devendo um belo disco desde 1998.



Por que, pra determinados críticos musicais, os anos 80 não morreram?

Porque a faixa etária deles é de quarenta anos, logo, suas memórias afetivas estão todas na década de 80 e isso traz conforto. Os que atacam essa visão são os críticos mais jovens, que não viveram a época. É a velha celeuma de mais velho x mais novo. Além disso é bom que tenhamos coisas desse tipo pois a imprensa precisa de assunto e nada melhor que desencavar os velhos ídolos oitentistas para revivals, acústicos MTV, shows ao vivo no interior de São Paulo... O público acompanha. A década de 70 foi a mais rica para a música pop.



Esta solução que algumas gravadoras já estão tomando de produzirem shows e cuidarem das carreiras de seus artistas, é a saída para o buraco em que se meteram?

Ainda não. Provavelmente dará um gás nas finanças mas não resolve o problema. Há departamentos inteiros nas gravadoras - empresas multinacionais com milhares de empregados ao redor do mundo - voltados exclusivamente para a produção de discos. E, ao que tudo indica, o "disco" está com os dias contados, pelo menos como é feito hoje. A solução seria pagar uma mensalidade, taxa, algo assim, e receber os novos lançamentos em mp3 ou CD. Como se fosse TV a cabo ou algo assim. Num caso de

lançamento diferenciado - um box, uma edição de luxo - o assinante pagaria um valor específico, como nos pacotes pay-per-view. Acho que todo mundo ficaria feliz assim.



E quanto ao lançamento do In Rainbows, do Radiohead, de maneira independente e totalmente inusitada, pela internet. Você acha que o "caminho das pedras" é por aí?

Bem, talvez seja. É bom lembrar que o Radiohead fez isso quando estava sem contrato com a Parlophone inglesa. Não sei se eles teriam feito isso sob as penas de um compromisso formal. De qualquer forma eles fizeram história com o In Rainbows e ampliaram a discussão downloads legais x downloads ilegais. O grande lance desse episódio foi dar ao fã a oportunidade de escolher pagar ou não pela obra, deixando o problema moral para o usuário e eximindo a banda da responsabilidade. É como nos tempos antigos: o artista fazia sua obra e não mensurava valor. Eram perspectivas estéticas, não mercantis. Os caras deram um passo à frente, sem dúvida e, ainda por cima, fizeram o melhor disco desde The Bends (1995). Algumas bandas legais já fazem coisas semelhantes em seus sites, como o Pearl Jam e o Marillion, que hoje é uma banda independente e sobrevive dos fãs.



O que acha de movimentos como o Mangue Beat, o rap paulista e o funk carioca?

São legítimos e importantes. O Mangue Beat recolocou o Nordeste no mapa e enfrentou o preconceito que havia, no qual o artista nordestino - exceção para baianos - só sabia fazer frevo e forró. Chico Science e Mundo Livre S/A provaram o contrário e fizeram alguns dos melhores discos da década de 1990.

O rap paulista é interessante, apesar de superestimado. Acho que a temática deles é o mais próximo que chegamos do original americano, ao descrever a vida da periferia e as temporadas na cadeia. O que pega é que os "mano" não têm informação musical para caprichar nas bases e samplear artistas legais do passado, coisa que os americanos fazem magistralmente. A música acaba ficando alijada. O funk carioca é um fenômeno popular muito mais sério do que se supõe. É uma música extremamente pobre, com letras terrivelmente concebidas, mal cantada e que atinge todas as classes sociais. Mesmo que ela seja limada dos palavrões e temáticas explicitas ao sexo e às drogas (nos tais proibidões), todo mundo ouve e sabe pelo menos uma ou duas canções. Eu acho lamentável, fico assustado com o futuro e sinto saudade de Claudinho e Buchecha, o Lennon/McCartney dessa coisa toda.









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